Aids não mata, mas...

Lannoy Dorin
    No final da década de 1980, tive como aluno um adolescente homossexual passivo, com o qual eu me dava muito bem. Por que não me daria? O único problema dele era evidente, embora ele não o declarasse: ego distônico.
    O ego distônico é uma divergência entre o autoconceito, a auto-imagem, a forma como o indivíduo se vê atuando e o que desejaria ser. Em linguagem bem simples, é não estar contente consigo mesmo.
    Se o homossexual se aceita e, como um heterossexual, vive relativamente satisfeito com seu estilo de vida, tudo bem. Discriminá-lo por quê? Em defesa do quê? Normalidade? Quem é normal?
    Bem, o jovem a que me referi tentou viver sem um ponto de apoio, um (a) psicoterapeuta. Ele (a) poderia tê-lo auxiliado a encontrar um ponto de equilíbrio e a viver de modo produtivo. Isto não aconteceu, e ele, julgando que vivia, representava o jovem encantado, deslumbrado com o mundo no qual mergulhara sem ter consciência dos perigos.
    Quando faleceu, sua irmã me telefonou para dizer, entre outras coisas, que ele morrera devido a uma pneumonia. Eu soube depois que ela dissera o mesmo a todos os amigos. Por quê, se sabíamos ser ele homossexual? É que o rapaz fora estigmatizado. Para o leigo, homossexualidade é algo genético ou doença. Balelas. É uma inversão que ocorre entre 3 e 5 anos de idade, e sobre a qual já escrevi bastante.
    Embora errada, a irmã do jovem falecido acertara: ninguém morre “de AIDS”, como se diz. As pessoas infectadas morrem devido a doenças oportunistas. A AIDS (ou SIDA, síndrome da imunodeficiência adquirida) é a progressiva queda de resistência orgânica em virtude da diminuição dos leucócitos, os glóbulos brancos do sangue, que nos defendem nas infecções.
    A moça não disse a verdade, nem teria como dizê-la. Deixou a tarefa para mim e outras pessoas que vivem falando e escrevendo. Qual? Advertir os homens para que usem anticonceptivo, preservativo, Condon, camisa de Vênus, ao ter relação sexual.
    O vírus da AIDS, o HIV, na verdade um retrovirus, porque depende do DNA de uma célula (leucócito) para se reproduzir, foi descoberto em 1983 pelo francês Luc Montaigner, do instituto Pasteur. Ele pode permanecer incubado por até 6 anos, mas, quando a resistência orgânica cai, aparecem manchas roxas por todo o corpo, sapinho, gânglios inchados, diarréia, emagrecimento e possivelmente pneumonia. O paciente terminal pode ficar num estado tão assustador – peles e ossos -, que é proibida a divulgação de fotos.
    O HIV veio da África, e muita gente morreu infectada antes de 1981, ano da descoberta da doença. Segundo a revista New Scientist 1586 de 1987, um jovem homossexual de 16 anos morreu em Saint Louis com um quadro clínico atípico. Ele tinha pneumonia, sarcomas de Kaposi, um tipo de câncer benigno em idosos mas maligno em jovens, e gânglios inchados. Isto ocorreu em 1968. Seu sangue foi congelado e arquivado. Em 1987, Robert Garry, um virologista, o descobriu, analisou-o e encontrou o HIV. A doença era mais velha do que se pensava na época que fôra constatada, início da década de 1980.
    Não há cura para a AIDS. Remédios prolongam a vida do paciente, mas não o curam. Então, é prevenir, é evitar a transmissão de uma gotinha de sangue do chamado soro positivo, seja nas relações sexuais ou no uso de agulhas e seringas. Só isso.

Nota:    Em 1988, escrevi um livro para adolescentes abordando a AIDS. Seu nome é Sol de primavera. Na época, foi um sucesso, mas o autor recebeu quase nada. Sua felicidade decorreu apenas das cartas dos leitores. Agora, se lhe interessar, procure-o numa biblioteca. Acho que você gostará da história que se passa em 1987 e que lhe dá muitas informações sobre o lado psicológico da vida dos infectados.




*  Prof. de Psicologia Geral e Psicologia da Personalidade no curso de Psicologia da Faculdade Politécnica de Jundiaí (SP).

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